Perigos da automedicação

Não são poucas as pessoas que se tornam adeptas habituais de medicamentos ditos ‘inofensivos’ em busca de respostas rápidas para problemas corriqueiros de saúde. E correm riscos, pois a automedicação, na maioria das vezes, é perigosa. Embora alguns medicamentos apresentem, de fato, poucos riscos, e sua compra é facilitada por estarem ‘do lado de fora’ do balcão da farmácia, é preciso cautela.

 Tal conjunto de fatores acaba predispondo ao uso até mesmo abusivo de algumas drogas. Todavia, como nenhuma é de fato isenta de ameaças, eventualmente acontecem adversidades. Como esse tipo de acontecimento fica “diluído” entre o grande número de pessoas que tomam tais medicamentos, há uma falsa sensação de segurança. Fármacos são drogas que agem em vários sistemas do corpo. Não são apenas produtos.

No Brasil, de acordo com a IMS Health, consultoria especializada em dados de saúde, o item mais comercializado em 2012 foi o descongestionante nasal Neosoro (cloridrato de nafazolina), que contém até página em redes sociais como o Facebook (“Clube dos viciados em Neosoro”).

Embora não esteja associado a nenhuma enfermidade grave como o câncer, o descongestionante pode aumentar a carga sobre o coração. Por isso, deve ser utilizado com precaução em pacientes que usam determinados medicamentos ou que apresentam deficiências cardíacas – hipertensão, arritmias, disfunções no coração. Não é livre de riscos e não deve ser empregado por períodos prolongados sem orientação médica.

Os dez mais

Depois do Neosoro vem Puran T4 (hormônio tireioidiano levotiroxina sódica), Salonpas (analgésico e anti-inflamatório salicilato de metila), Ciclo 21 (anticoncepcional, genérico etinilestradiol + levonorgestrel), Microvlar (anticoncepcional, etinilestradiol + levonorgestrel), Buscopan Composto (analgésico e antiespasmódico, escopolamina), Rivotril (anticonvulsivante e ansiolítico, clonazepam), Dorflex (analgésico, cipirona ou orfenadrina), Glifage (antidiabético metformina) e Hipoglós (pomada para assaduras).

Também são bastante usados a Neosaldina (combinação de mucato de isometepteno, dipirona e cafeína, utilizada no alívio das dores de cabeça), Cialis (disfunção erétil, tadalafila,) Dipirona sódica (analgésico e eficaz na febre) e Metoclopramida (náuseas e vômitos).

Soluções a curto prazo

O ansiolítico Rivotril é uma das medicações mais consumidas no Brasil, mas não se encontra nas listas das mais usadas no mundo. Sua fama se deve, entre outros fatores, à propaganda feita sobre o produto, ao conhecimento médico a respeito do mesmo e aos seus efeitos. É usado no tratamento da ansiedade e da insônia. Seus principais concorrentes são o Lexotan (bromazepam), Frontal (alprazolam) e Olcadil (cloxazolam).

Já a obesidade se tornou uma epidemia mundial e preocupa os órgãos de saúde pública, sendo considerada uma doença multifatorial. O aumento da oferta de alimentos processados, o estresse e o sedentarismo estão entre outros fatores causadores do problema.

Em geral, as mulheres são consumidoras em potencial de medicamentos para emagrecer, nunca estão satisfeitas com o corpo e desejam sempre perder um ou dois quilos. No Brasil, sendo um país tropical onde existe uma exposição maior do corpo, estar em forma é uma questão de aceitação social.

O Brasil é um dos países onde o consumo de moderadores de apetite bate recordes. Existem três principais grupos de medicamentos para emagrecer: anorexígenos, sacietógenos e inibidores de absorção de gorduras. Os anorexígenos inibem o apetite, e têm em sua composição substâncias conhecidas como anfetaminas (que podem ser perigosas). O segundo grupo age no estímulo da sensação de saciedade: o indivíduo sente fome, mas com uma porção menor de alimentos fica satisfeito.

Já o terceiro atua na inibição da absorção intestinal de cerca de 30% da gordura ingerida, entretanto só ajuda se a pessoa come pouco (se come muito, os 30% que deixam de ser absorvidos podem não ser suficientes para a perda de peso).

Trata-se de mais uma consequência do estilo de vida atual e de uma sociedade que quer soluções milagrosas e de curto prazo. Para controlar a ansiedade e perder peso, por exemplo, o ideal é você mudar seu estilo de vida, adequando sua alimentação e realizando atividade física periódica. O problema é que a maioria ou não quer ou não consegue impor tais alterações em seu cotidiano, optando por uma alternativa que ofereça, supostamente, um resultado mais rápido. Aí, quando querem perder peso, correm para alguma medicação ‘facilitadora’“.

Em relação aos ‘emagrecedores’ de uma maneira geral, há risco de gerarem efeitos colaterais cardíacos, como arritmias, além de predisposição ao desenvolvimento de quadros depressivos ou de psicose, entre outros. O Xenical é bastante procurado para uso ainda, pois até pouco tempo podia ser comprado sem receita. Recentemente, porém, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) obrigou a necessidade de receita para compra. As vantagens do Xenical são mais do ponto de vista médico, dado o perfil de efeitos colaterais menos graves do que de outros medicamentos utilizados para emagrecer. Seus sinais se referem mais ao próprio trato digestivo, como diarreia, flatulência e dores abdominais.

Dependência química

Quando há dependência química, o medicamento começa a fazer parte do metabolismo do indivíduo. Geralmente, são medicamentos ou drogas ilícitas que conferem sensação de prazer e bem-estar agindo no Sistema Nervoso Central, mas com grandes danos ao organismo. A retirada de uma droga desse tipo promove sintomas característicos de abstinência e deve ser tratado como doença.

Algumas medicações podem se relacionar com algum grau de dependência química, como os opiáceos e opioides (morfina, dolantina e meperidina). Já outras, como antidepressivos, antipsicóticos e esteroides, trazem o perigo de sintomas muitas vezes graves com sua parada abrupta, o que não caracteriza dependência química.

Não deve ser confundida a dependência com o fenômeno de tolerância, observado com os benzodiazepínicos (famosos ‘faixas preta’). Neste caso, com o passar do tempo e uso do fármaco, o paciente vai necessitando de doses cada vez maiores para conseguir o mesmo efeito que antes ocorria com porções menores da medicação. Isso ocorre por alterações químicas na membrana da célula.

Existem dois tipos principais de dependência química: a que se refere a drogas lícitas e a relacionada a drogas ilícitas. Apesar de ser um aspecto importante, a diferença não é apenas de cunho legal. No caso das drogas lícitas, o efeito entorpecente existe em graus variados, mas tende a ser menor do que o das drogas ilícitas. Como exemplo, dificilmente alguém comete um crime devido ao uso de ansiolíticos (medicações que podem causar dependência com uso prolongado).

Já o uso de cocaína e similares mais facilmente se incorpora a comportamentos inadequados ou criminosos.  Não é uma questão de legalidade. O álcool (substância lícita) também se associa a atitudes perigosas. A automedicação com substâncias que causam dependência é mais rara, pois a compra destas requer receita médica especial. Isso não impede, mas limita bastante o problema.

Problemas emocionais

O indivíduo liga a sensação de conforto ao seu uso e, por isso, deixá-lo provoca quadros de ansiedade, sensação de vazio, dificuldade de concentração e mal-estar. É a dependência psicológica agindo. O nível educacional parece ter influência significativa, porém há outros gatilhos.

Muitas pessoas com nível elevado têm o hábito da automedicação. Achar que a pessoa que atende na farmácia sabe diagnosticar e orientar é um erro gravíssimo. Muitas vezes nem é farmacêutico e, mesmo este, apesar de seu conhecimento em farmacologia, não tem formação médica.

Importante: existe um quadro psiquiátrico clássico chamado de hipocondria, no qual as pessoas acreditam ter uma doença grave. Nestes casos, pode haver automedicação ou não. Muitas vezes, procuram diversos médicos, pois nenhum consegue ‘descobrir’ sua doença.

Num país carente como o Brasil, com saúde pública deficiente e planos de saúde caros e sem padrão de atendimento, o estado psicológico é muito importante. É como se as condições do paciente melhorassem só porque ele está ‘tomando alguma coisa’. É o chamado efeito placebo, ou seja, mesmo que o fármaco não seja indicado corretamente ou na dose certa, o simples fato de estar ingerindo já produz um efeito positivo.